Educação Financeira para Crianças: Como Começar a Dar Mesada com Responsabilidade
A literacia financeira não começa aos 18 anos, nem com o primeiro salário. Começa em casa. Começa cedo. E muitas vezes começa com algo tão simples como uma moeda colocada num mealheiro ou uma semanada dada com propósito.
Neste artigo, mostramos porque deve considerar introduzir a educação financeira desde a infância e como a mesada, usada com critério, pode ser uma ferramenta poderosa para preparar os seus filhos para um futuro mais consciente, autónomo e equilibrado.
Por Que Falar de Dinheiro com Crianças?
Falar de dinheiro com crianças é, acima de tudo, falar de escolhas. De prioridades. De consequências.
Em Portugal, menos de 35% das crianças e jovens recebem mesada ou semanada regularmente. Esta realidade reflete-se na fraca autonomia financeira dos jovens adultos, que muitas vezes chegam à universidade ou ao primeiro emprego sem competências básicas de gestão de dinheiro.
A falta de contacto com decisões financeiras práticas durante a infância leva a erros evitáveis na vida adulta: gastar sem planear, endividar-se sem compreender os termos, não poupar por hábito ou desconhecimento. E os dados confirmam: 44% dos portugueses não comparam ofertas antes de contratar crédito.
A educação começa em casa, mas não termina aí. O currículo escolar português já prevê conteúdos de literacia financeira, e o Banco de Portugal criou um referencial específico por faixas etárias. A chave está em alinhar casa e escola. Com naturalidade, consistência e sem tabus.
A Mesada Como Ferramenta de Aprendizagem
A mesada não é um “extra” ou um “mimo”, é uma introdução prática ao valor do dinheiro.
Quando bem orientada, a prática da mesada ajuda a desenvolver:
1. Autonomia e tomada de decisões
A criança aprende a gerir um valor fixo. Decide se gasta tudo hoje ou guarda parte para amanhã. Ganha responsabilidade sem risco elevado. Aprende com os próprios erros — sem consequências graves.
2. Noção do valor do dinheiro
Se gastar tudo numa semana, fica sem fundos até à próxima. Se poupar, atinge objetivos maiores. É um jogo sério, com lições reais.
3. Disciplina financeira e planeamento
A regularidade da mesada ensina a esperar, planear e resistir a impulsos. A introdução de objetivos (como comprar um brinquedo) permite ensinar a importância da poupança.
4. Conceitos-chave como orçamento e solidariedade
Métodos visuais, como os três mealheiros (Gastar, Poupar, Ajudar), ajudam a distribuir o dinheiro por diferentes finalidades. Por exemplo: 50% para uso imediato, 40% para poupança, 10% para ajudar alguém.
5. Autoestima e realização
Poupar e atingir uma meta reforça a confiança da criança. Percebe que o esforço vale a pena. E sente orgulho em conquistar algo por si própria.
Quando Começar?
O mais cedo possível. Mas com objetivos diferentes conforme a idade:
- 3-5 anos – Introdução simbólica: pode dar moedas para um mealheiro transparente. A ideia é visualizar o “crescimento” do dinheiro. Foco em hábitos e em nomear valores (“isto custa duas moedas”).
- 6-9 anos – Primeira semanada: a criança já faz contas simples, começa a lidar com dinheiro em contextos reais (cantina, loja). A semanada (e não a mesada) ajuda a trabalhar com horizontes de tempo mais curtos.
- 10-13 anos – Evolução para mesada: introdução de objetivos de médio prazo, como comprar algo mais caro. Pode-se sugerir dividir o valor recebido por categorias (por exemplo: 30% lazer, 50% poupança, 20% outros).
- 14+ anos – Gestão autónoma: pode ser útil dar liberdade total, mas com supervisão indireta. Introduzir noções de rendimento, despesas fixas e até simular um orçamento mensal. Ideal para adolescentes com atividades remuneradas.
Quanto Dar?
Não existe um valor certo. Depende do orçamento familiar, da idade da criança e dos objetivos definidos. Mais importante do que “quanto” é “para quê”.
Algumas orientações práticas:
- Comece com valores simbólicos.
- Combine com a criança o que está incluído: o lanche da escola? Brinquedos? Presentes?
- Aumente gradualmente consoante a idade e a maturidade.
- Evite usar a mesada como “recompensa” por boas notas, isso pode desvalorizar o valor intrínseco do esforço escolar.
Dicas para uma Mesada Bem Sucedida
- Seja consistente – O valor e a data devem ser fixos. Tal como um salário.
- Fale sobre decisões – Pergunte: “O que vais fazer com o dinheiro?”, “Queres poupar para algo maior?”.
- Deixe errar – É pedagógico gastar tudo em algo supérfluo e perceber que depois não há dinheiro para o lanche.
- Use ferramentas práticas – Mealheiros, cadernos de registo ou apps simples podem ajudar a visualizar objetivos e resultados.
- Envolva a criança nas decisões – Pode deixá-la definir metas de poupança ou fazer a lista de compras com um valor definido.
Dê o exemplo – Se fala de poupança mas gasta por impulso, a criança vai seguir o comportamento, não o discurso.
O que evitar
- Substituir o diálogo por dinheiro (“toma e não perguntes”).
- Usar o dinheiro como chantagem ou castigo.
- Comparar com outras famílias.
Ignorar os erros da criança, é importante falar sobre o que correu bem e o que podia ter sido diferente.
Ensinar sobre dinheiro é cuidar do futuro
Ensinar o valor do dinheiro é ensinar o valor do tempo, da paciência, do planeamento. É dar ferramentas para lidar com a frustração, fazer escolhas e construir autonomia.
Como em tudo na parentalidade, não há fórmulas perfeitas. Mas há princípios sólidos:
- Clareza
- Consistência
- Afeto
Falar de dinheiro com os filhos pode ser um momento de conexão, não de tensão. E a mesada, quando bem usada, é um dos melhores pontos de partida.
Glossário
Mesada: Valor fixo dado mensalmente à criança com objetivo educativo.
Semanada: Variante da mesada, mas com periodicidade semanal — recomendada para crianças mais novas.
Orçamento: Planeamento prévio de quanto se vai gastar e poupar.
Poupança: Parte do dinheiro que é guardada para ser usada no futuro.
TAEG: Taxa Anual de Encargos Efetiva Global — inclui todos os custos de um crédito (juros, comissões, etc.)
Literacia financeira: Capacidade de entender conceitos e tomar decisões conscientes sobre dinheiro.
Fontes Consultadas
- Banco de Portugal e Ministério da Educação. Referencial de Educação Financeira.
- "Educação Financeira para Crianças e Jovens: Iniciar a Prática da Mesada” (compilação de conteúdos de diversas entidades educativas e financeiras).
- ECO SAPO, artigo “Um terço das crianças recebe mesada” (2022).
- Saldo Positivo – Caixa Geral de Depósitos, portal de educação financeira.
- Ageas Seguros – Artigo “Como gerir a mesada dos seus filhos”.
- LuxWoman – Entrevista com especialista em literacia infantil.
- Doutor Finanças – Artigos sobre literacia financeira, crédito e hábitos financeiros das famílias portuguesas.



