Licença de Parentalidade em Portugal: direitos, modalidades e compensações
Trazer uma criança ao mundo é um dos momentos mais marcantes da vida. Mas é também um período de grandes mudanças emocionais, logísticas e financeiras. A licença de parentalidade existe precisamente para proteger esse tempo: o tempo de cuidar, criar laços e reorganizar a vida familiar e profissional com tranquilidade.
Neste artigo explicamos, de forma clara e prática, quais são as modalidades de licença parental em Portugal, como funcionam as compensações e o que precisa de saber para planear este período sem surpresas.
O que é a licença de parentalidade?
A licença de parentalidade é o direito que mães e pais têm de se ausentar do trabalho para cuidar de um filho recém-nascido (ou adotado), mantendo a proteção social e o vínculo laboral. Está prevista no Código do Trabalho (artigos 40.º a 65.º) e é financiada pela Segurança Social (para trabalhadores do setor privado) ou pela CGA – Caixa Geral de Aposentações (para trabalhadores do setor público).
Mais do que um benefício, trata-se de um direito essencial à conciliação entre vida familiar e profissional, reconhecido pela Constituição e pela legislação europeia.
Tipos de licença parental
A lei portuguesa define várias modalidades, com durações e percentagens de remuneração diferentes. Todas têm como base o nascimento (ou adoção) e podem ser partilhadas entre mãe e pai.
Licença parental inicial
É a licença base, imediatamente após o nascimento ou adoção.
Pode ter 120, 150 ou 180 dias consecutivos, consoante a opção do casal:
DuraçãoRemuneraçãoObservações120 dias100% da remuneração de referênciaPode ser partilhada entre os pais150 dias80% da remuneração de referênciaPode ser partilhada180 dias83% da remuneração de referênciaAumenta para 90% se ambos gozarem pelo menos 60 dias cada um
A mãe deve gozar obrigatoriamente 42 dias após o parto, podendo ainda usufruir até 30 dias antes do parto (facultativos, mas incluídos na duração total).
O pai tem direito a 28 dias obrigatórios, pagos a 100%, e 7 dias facultativos. Os dias podem ser tirados seguidos ou em períodos mínimos de 7 dias, mas 7 deles têm de ser imediatamente após o parto.
Se nascerem gémeos, acrescentam-se 2 dias por cada gémeo além do primeiro.
Licença parental partilhada
A licença pode ser dividida entre mãe e pai.
A partilha traz benefícios financeiros e mais tempo em casa:
- Se ambos gozarem pelo menos 60 dias consecutivos cada um, a duração total da licença sobe para 180 dias com 83% do salário.
- Em caso de partilha mais equilibrada, o subsídio pode atingir 90% da remuneração de referência.
A partilha é uma forma de promover a corresponsabilidade e a ligação afetiva de ambos os progenitores, reforçando também o equilíbrio familiar.
Licença parental complementar (ou alargada)
Depois da licença inicial, os pais podem pedir até 3 meses adicionais por cada um, até o filho completar 6 anos.
Esta licença é remunerada a 30% do salário, mas se ambos os pais gozarem os 3 meses completos, a taxa sobe para 40%.
É um regime útil quando a família precisa de mais tempo de adaptação, por exemplo, quando não há vaga em creche ou quando se opta por prolongar os cuidados em casa.
Outras licenças especiais
Além das anteriores, a lei prevê situações específicas:
- Adoção e acolhimento familiar: aplicam-se as mesmas regras da licença parental inicial.
- Incapacidade ou morte de um progenitor: o outro tem direito ao período remanescente.
- Licença por prematuridade ou hospitalização prolongada do bebé: permite prolongar a licença inicial pelo número de dias de internamento.
Quem paga e quanto se recebe
O subsídio é pago pela Segurança Social (ou CGA, para o setor público).
A remuneração é calculada com base na remuneração de referência, a média dos salários dos 6 meses anteriores à licença.
Exemplos práticos:
- Salário líquido médio: 1.500 €
- Licença de 120 dias → recebe 1.500 €/mês
- Licença de 150 dias → recebe 1.200 €/mês
- Licença de 180 dias (com partilha) → recebe 1.245 €/mês (83%)
- Licença complementar → recebe 450 €/mês (30%)
Os pagamentos são mensais, diretamente pela Segurança Social.
Como pedir a licença
O pedido deve ser feito 30 dias antes da data prevista para o parto (ou o mais cedo possível, se o parto ocorrer antes).
Os documentos necessários incluem:
- Certidão médica com a data provável do parto
- Declaração do empregador
- Formulário Mod.RP5049-DGSS (pedido de subsídio parental)
O pedido é submetido online na Segurança Social Direta ou presencialmente nos serviços locais.
No caso do pai, os dias obrigatórios e facultativos são comunicados ao empregador com 5 dias de antecedência mínima.
Literacia financeira: o impacto no orçamento familiar
Entrar de licença parental é também uma decisão financeira. A redução temporária do rendimento exige planeamento.
Segundo o Relatório sobre os Hábitos Financeiros e Uso de Crédito em Portugal (2024), cerca de 78% das famílias afirmam gerir as suas finanças sem endividamento excessivo, mas 40% das famílias de rendimentos baixos dependem de crédito para despesas essenciais.
Por isso, antes de escolher entre 120, 150 ou 180 dias, é importante:
- Calcular o impacto da percentagem de remuneração;
- Rever despesas fixas e eventuais prestações de crédito;
- Avaliar se vale a pena prolongar a licença (com menor rendimento) ou regressar ao trabalho mais cedo.
Ferramentas como o simulador de orçamento familiar da Segurança Social ajudam a visualizar o impacto.
Se existir um crédito habitação, é prudente notificar o banco antes de qualquer alteração significativa no rendimento. Algumas instituições permitem ajustar temporariamente prazos ou negociar carência parcial, evitando pressão financeira durante o período de licença.
Direitos no regresso ao trabalho
Depois da licença, o trabalhador tem direito a retomar o seu posto de trabalho ou um equivalente, com o mesmo salário e antiguidade.
Além disso, pode ainda beneficiar de:
- Dispensa para amamentação ou aleitação (até o filho completar 1 ano);
- Trabalho a tempo parcial ou horário flexível, até o filho fazer 12 anos;
- Faltas justificadas para assistência a filhos (doentes ou dependentes).
Estes direitos visam assegurar que o regresso ao trabalho não implica sacrificar o tempo de cuidado.
Parentalidade e igualdade
A licença de parentalidade é também um instrumento de igualdade de género.
Desde 2019, o Decreto-Lei n.º 53/2023 reforçou o papel do pai, tornando obrigatórios os 28 dias de licença, o que ajudou a aproximar Portugal dos padrões europeus.
Ainda assim, segundo dados da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), as mulheres continuam a representar cerca de 85% dos beneficiários das licenças parentais.
O incentivo à partilha é, portanto, não só uma medida de apoio familiar, mas uma forma de corrigir desigualdades estruturais no mercado de trabalho.
O que muda em casos especiais
Algumas situações exigem atenção adicional:
Nascimentos múltiplos
Acrescem 2 dias de licença por cada gémeo além do primeiro para ambos os pais.
Adoção
As mesmas regras aplicam-se para crianças até 15 anos. A licença conta a partir da decisão judicial de confiança administrativa ou judicial.
Morte ou incapacidade de um progenitor
O outro tem direito ao período de licença remanescente, garantindo continuidade de cuidados ao bebé.
Boas práticas para planear o período de licença
- Calcule o rendimento líquido esperado e reveja as despesas mensais antes de decidir a duração da licença.
- Comunique atempadamente com o empregador para planear substituições.
- Consulte o simulador da Segurança Social para confirmar valores e datas.
- Pondere a partilha da licença pode aumentar a compensação e o tempo total em casa.
- Mantenha registo de documentos médicos e comunicações formais.
Planeamento é sinónimo de tranquilidade.
O valor simbólico e social da licença parental
A licença parental não é apenas uma questão laboral. É um investimento social no bem-estar das famílias e no desenvolvimento das crianças.
Estudos europeus mostram que os bebés cujos pais têm tempo para estar presentes nos primeiros meses de vida têm melhor desenvolvimento cognitivo e emocional, e as famílias apresentam maior estabilidade psicológica e financeira.
Portugal está entre os países da UE com melhor equilíbrio entre tempo de licença e nível de compensação, mas ainda enfrenta o desafio de garantir igualdade no acesso e partilha efetiva.
Glossário essencial
Remuneração de referência: média das remunerações dos 6 meses anteriores ao início da licença.
Subsídio parental inicial: apoio financeiro pago pela Segurança Social durante a licença inicial.
Licença parental complementar: prolongamento da licença inicial, com menor remuneração.
LTV / DSTI: rácios usados em crédito habitação, úteis para planear o impacto da redução de rendimento.
CITE: Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.
CGA: Caixa Geral de Aposentações (setor público).
Fontes consultadas
- Licença de Parentalidade em Portugal (documento-base, 2024)
- CITE – Direitos dos Pais e das Mães Trabalhadores
- Segurança Social – Guia Prático de Parentalidade
- Caixa Geral de Depósitos – Saldo Positivo: Direitos de Maternidade e Paternidade
- Decreto-Lei n.º 53/2023 (alterações ao Código do Trabalho)
- Relatório sobre os Hábitos Financeiros e Uso de Crédito em Portugal (2024)



